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Pesquisa em câncer na era da IA: por dados que nos representem e desafios éticos


O futuro da pesquisa em oncologia e os desafios da Inteligência Artificial (IA) ocuparam uma manhã de debates no Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFRJ, no Fundão, no dia 28 de novembro. O encontro mediado pelos coordenadores do Programa de Oncobiologia, Robson Monteiro e Gabriela Nestal de Moraes, reuniu nomes de referência em ciência de dados, bioinformática e saúde para discutir como a IA vem transformando a pesquisa e o cuidado em câncer.


Participaram do painel, na ordem das apresentações, Helder Nakaya (USP/ Hospital Israelita Albert Einstein), Cláudio Miceli (UFRJ), Mariana Boroni (INCA / Programa de Oncobiologia) e Rômulo Galvani (Laboratório Nacional de Computação Científica). Um dos pontos centrais foi a urgência de construir bases de dados que representem de fato a diversidade da população brasileira, condição considerada indispensável para que os algoritmos sejam mais confiáveis sobre a diversa realidade brasileira e úteis na prática clínica.


IA para enxergar o câncer na dimensão espacial


Abrindo o evento, o professor Helder Nakaya (USP) lembrou que a IA já é indispensável para lidar com os enormes volumes de dados gerados em saúde. Mas ainda está longe de substituir especialistas.


Ele destacou que ferramentas baseadas em IA são permeáveis a saberes de campos aparentemente distantes, como astronomia, geografia e epidemiologia, ajudando a revelar padrões invisíveis a olho nu. Em seu grupo, no Hospital Israelita Albert Einstein, a pesquisa se concentra em transcriptômica espacial e transcriptômica de célula única, áreas que estudam quais genes estão ativos em cada região de um tecido tumoral.


Nessas abordagens, a pergunta passa a incluir “onde isso acontece no tecido”. Regiões mais “altas” nos mapas equivalem a áreas mais inflamadas ou mais ativas biologicamente. A partir desses mapas, torna-se possível inclusive imprimir biópsias em 3D e visualizar o tumor em modelos físicos. Segundo Nakaya, ainda é cedo para dizer exatamente em que cenários clínicos esses mapas serão usados, mas eles já se mostram muito inspiradores como forma de explorar dados de maneira espacializada.


O grupo apresentou um conjunto de ferramentas e plataformas online voltadas à colaboração científica e à análise epidemiológica, capazes de identificar áreas de maior risco e concentração de casos para orientar políticas públicas. Também foram mostradas aplicações experimentais de swarm intelligence (inteligência de enxames), inspirada no modo como abelhas e outros animais organizam decisões coletivas, a abordagem ainda é exploratória. Outra frente em desenvolvimento é a criação de “gêmeos digitais de perfis comportamentais”, gerados a partir de entrevistas, para testar estratégias de comunicação em saúde — não voltadas ao consumo, mas à promoção de cuidados e prevenção, simulando quais mensagens tendem a gerar maior adesão.


Na discussão sobre o papel do pesquisador, Nakaya observou que as ferramentas de IA assumem cada vez mais a parte pesada da programação. Segundo ele, o trabalho em bioinformática tende a se deslocar para formular boas perguntas e revisar criticamente os resultados produzidos pela máquina, mais do que escrever código do zero.



A inteligência mundo


Na sequência, o professor Cláudio Miceli (UFRJ) ampliou o foco para o universo dos dispositivos inteligentes. Hoje, são dezenas de bilhões de objetos conectados — entre sensores, câmeras, smartphones, relógios, carros e eletrodomésticos — capazes de gerar dados e operar em rede.


Miceli descreveu esse cenário como um “mundo cyberfísico cognitivo”, em que componentes digitais e físicos se entrelaçam. Citou exemplos como plataformas petrolíferas, onde dados coletados em tempo real permitem criar réplicas digitais (digital twins) de estruturas complexas para simulação, monitoramento e planejamento. A partir daí, instigou a plateia a imaginar aplicações semelhantes no corpo humano, e a refletir sobre seus efeitos não apenas técnicos, mas também sociais e culturais.


O professor chamou atenção para um ponto central: a área da computação é historicamente pouco regulamentada, o que desloca parte da responsabilidade ética para quem aplica a tecnologia. Na saúde, segundo ele, são os próprios profissionais que devem assumir protagonismo nas decisões sobre o uso da IA, inclusive na definição de limites. Nesse contexto, Miceli destacou que diferentes estudos apontam os trabalhadores da saúde como uma das categorias com maior chance de preservar seus postos de trabalho nesta nova era tecnológica, desde que se adaptem às ferramentas digitais e mantenham o julgamento clínico como referência central.



Atlas Tumoral da População Brasileira: dados locais para uma medicina de precisão


A pesquisadora Mariana Boroni (INCA) apresentou a proposta do Atlas Tumoral da População Brasileira (ATP-BR), iniciativa que busca mapear a diversidade molecular dos tumores no país e reduzir a dependência de bancos de dados estrangeiros.

Segundo Boroni, perfis genéticos, ambientais e sociodemográficos variam muito entre populações. Usar apenas dados de outros países pode comprometer diagnóstico, prognóstico e tratamento em um sistema de saúde como o brasileiro.

Em seus trabalhos, à frente do Laboratório de Bioinformática e Biologia Computacional do INCA e como pesquisadora do Programa de Oncobiologia, Boroni aplica IA ao estudo do câncer de ovário, considerado a neoplasia ginecológica mais letal. Textos de divulgação do próprio INCA e do Programa de Oncobiologia destacam que cerca de 70%–75% das mulheres com câncer de ovário são diagnosticadas em estágios avançados, o que derruba a taxa de sobrevida em cinco anos para algo próximo de 17% nos casos mais graves.


A pesquisadora explicou que o estudo começou com a análise de 47 microRNAs associados ao câncer de ovário, usando diferentes modelos de machine learning, como o Random Forest, para identificar padrões entre perfis moleculares e evolução clínica das pacientes. Com o avanço da pesquisa, tornou-se necessário reduzir esse conjunto inicial a um painel menor de marcadores realmente úteis, combinando métodos estatísticos com avaliação clínica para garantir viabilidade no laboratório e no atendimento. Ela destacou ainda que não há um único modelo ideal: foram testados cerca de dez algoritmos diferentes, comparando desempenhos antes de qualquer decisão. O principal limite, no entanto, estava nos próprios dados: o banco utilizado não refletia com precisão a realidade genética da população brasileira, o que aponta para a próxima grande fronteira da área.



Onde a IA ainda não chega


Encerrando as apresentações, Rômulo Galvani (LNCC) discutiu o papel dos modelos matemáticos e da IA na oncologia, com foco especial no câncer de mama. Ele destacou as lacunas das técnicas atuais, em especial nos subtipos mais agressivos, como o triplo-negativo.


Galvani abordou exemplos de modelos que ainda não conseguem capturar toda a complexidade dos subtipos de câncer de mama nem orientar de forma robusta todas as decisões sobre uso de drogas e modos de tratamento. Ele também trouxe um dado que ajuda a dimensionar esse potencial: estudos em que sistemas de IA já apresentam cerca de 10% a mais de acerto em diagnóstico por imagem, quando comparados ao olhar humano isolado. Isso, porém, não significa que a tecnologia esteja pronta para atuar sozinha.



Confiar ou não confiar nos algoritmos?


Durante o debate, uma pergunta da plateia atravessou a mesa: até que ponto é possível confiar nos resultados da inteligência artificial? A resposta convergiu para três ideias centrais: muitos modelos atuais ainda não têm garantias matemáticas completas de funcionamento; a validação mais robusta vem da repetição dos resultados em diferentes grupos de pacientes; e a escolha do algoritmo depende tanto da qualidade dos dados quanto da pergunta clínica. Em outras palavras, mais do que confiar cegamente na tecnologia, é preciso conhecer os dados, testar em diferentes contextos e manter o julgamento humano como filtro central.


Avanços e desafios: o que fica para o futuro



No encerramento, ao responder à pergunta sobre os principais avanços e desafios da IA na pesquisa em câncer, o painel convergiu em alguns pontos: a tecnologia tem grande potencial para tornar diagnósticos mais precoces e tratamentos mais personalizados; sem dados representativos da população brasileira, modelos podem reforçar desigualdades — daí a importância de iniciativas como o Atlas Tumoral da População Brasileira; a velocidade da inovação supera a criação de normas, exigindo mais debate sobre privacidade e responsabilidade; e, no SUS, a IA pode apoiar especialmente a triagem e o acesso ao sistema, sem substituir o julgamento médico.  

Texto de Natália Araújo (Estudante de Medicina na UFRJ) e Felipe Siston (Divulgador Científico do Programa de Oncobiologia). Este texto também contou com a ajuda de IA na transcrição e organização de nossas anotações. Revisão científica: Gabriela Nestal de Moraes e Robson Monteiro

 
 
 

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