O que o aquecimento global, a previsão do tempo e o sistema de resfriamento do seu computador tem em comum? Envolvem a aplicação e o conhecimento dos fenômenos de transferência de calor, que incluem ferramentas matemáticas e estatísticas, previsões e incertezas. Mas antes que você pense que clicou na matéria errada, saiba que pesquisadores de engenharia mecânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro estão aplicando esse mesmo conhecimento no combate ao câncer.
Essa é a proposta do grupo de pesquisa coordenado por Helcio Orlande, do Laboratório de Transmissão e Tecnologia do Calor do Programa de Engenharia Mecânica da COPPE/UFRJ, recentemente credenciado no Programa de Oncobiologia. "A ideia de uso do aumento de temperatura no tratamento do câncer é muito antiga. O primeiro relato científico dizia respeito a administração de bactérias a um paciente com câncer porque era reconhecido que a febre causava um efeito de regressão dos tumores, também um primeiro exemplo de imunoterapia, porque induzia uma mudança no sistema imunológico como forma de combater o câncer", conta Helcio.
Apesar do grupo possuir pelo menos uma década de experiência em modelos matemáticos e previsões computacionais sobre biotransferência de calor, os pesquisadores pretendem iniciar ensaios com células e cobaias - uma nova aplicação que depende de parcerias com pesquisadores das áreas biomédicas. "A comunidade científica ganhou interesse novamente nos tratamentos com calor porque, com o uso de nanopartículas que se concentram especificamente no tumor, há a possibilidade de uma seletividade no aquecimento. Ou seja, é possível produzir um aumento de temperatura de forma bem localizada, apenas no tumor, preservando as células saudáveis", afirma Helcio.
Nanopartículas e termoablação
O grupo de pesquisa pretende estudar a aplicação das técnicas da engenharia mecânica em duas linhas de estudo. Em uma delas, o calor é usado como tratamento adjuvante contra o câncer, isto é: o calor é utilizado para aumentar a susceptibilidade das células do câncer aos medicamentos quimioterápicos e radioterápicos, aumentando também o sucesso destas terapias. Nesta linha, os pesquisadores pretendem analisar, in vitro, o efeito do aumento de temperatura nas células cancerígenas e saudáveis, e também testar o calor aplicado às células tratadas com medicamentos quimioterápicos.
Os pesquisadores pretendem investigar o potencial das nanopartículas como agentes fototérmicos, projetados para atingir especificamente as células cancerígenas. "Nosso desejo é , junto com nossos colegas do programa de engenharia metalúrgica liderados pelo Prof. Dilson dos Santos, testar diferentes nanopartículas nesse aquecimento localizado em células in vitro, que vai possibilitar investigarmos o melhor tipo de nanopartícula e a concentração delas, para estabelecer modelos que possam prever o que acontece", diz.
A segunda linha de pesquisa quer analisar um outro uso do calor no combate ao câncer: a termoablação, que consiste na aplicação de calor diretamente no tumor por meio de laser. "Com o aumento de temperatura, é possível provocar a desnaturação e a necrose das células do câncer, há o rompimento da matriz celular, e a consequente morte dessas células", afirma Helcio. Uma técnica que já é utilizada na clínica contra cânceres de fígado e pele, mas que os pesquisadores afirmam ser ainda pouco conhecida. "Um sério problema no tratamento por hipertermia ou termoablação é o dano causado às células saudáveis. Não sabemos bem o dano térmico que resulta, por exemplo, de você usar um determinado fluxo de calor durante um determinado tempo. Queremos desenvolver melhores modelos tanto na hipertermia associada à quimioterapia e na ablação, que possibilitem, no futuro, um melhor planejamento e controle do tratamento por parte dos médicos".
Por enquanto, além de todo o trabalho matemático e computacional, o grupo tem feito ensaios e experimentos utilizando materiais sintéticos, bem como amostras de músculo e fígado de boi. E busca estabelecer parcerias com pesquisadores da área biomédica: um casamento entre diferentes especialidades necessário para o intercâmbio e aplicação do conhecimento da engenharia mecânica no combate ao câncer.
Para aprofundar!
Confira uma seleção de artigos científicos, publicados por integrantes do grupo, sobre o tema da matéria:
Thermal damage during ablation of biological tissues - https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10407782.2018.1464794
Estimation of the temperature field in laser-induced hyperthermia experiments with a phantom. - https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02656736.2018.1496283
Simultaneous Model Selection and Model Calibration for the Proliferation of Tumor and Normal Cells During In Vitro Chemotherapy Experiments: https://www.liebertpub.com/doi/10.1089/cmb.2017.0130
Para simplificar!
Confira abaixo um vídeo do professor Helcio Orlande, do Laboratório de Transmissão e Tecnologia do Calor do Programa de Engenharia Mecânica da COPPE/UFRJ, sobre a pesquisa do grupo sobre o câncer:
Por Rosa Maria Mattos, jornalista de Ciência, responsável pelo Núcleo de Divulgação do Programa de Oncobiologia.
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