“Nada de falar que o paciente não deve fazer nada” - entrevistamos uma fisioterapeuta do INCA
- Felipe Siston
- há 2 horas
- 4 min de leitura

Nádia Kappaun, fisioterapeuta do Instituto Nacional de Câncer (INCA), participou do podcast Oncobiologia, produzido em parceria com a Rádio UFRJ. No episódio de 2 minutinhos, ela compartilhou impressões sobre o primeiro Simpósio de Fisioterapia em Oncologia realizado pelos alunos da LAFO – Liga Acadêmica de Fisioterapia em Oncologia da UFRJ (Esse pessoal com ela aí na foto).
Mas ao final do programa, uma pergunta científica ficou no ar – e agora, aqui no site do Programa de Oncobiologia, temos a oportunidade de aprofundar o assunto, dando continuidade à conversa.
Felipe Siston (FS): Os conhecimentos do campo da fisioterapia podem contribuir para a prevenção e cuidado contra o câncer? Como? Quais pesquisas ajudam a entender isso?
Nádia Kappaun (NK): Bom, como eu enfatizei anteriormente, nós baseamos a nossa atuação, a atuação do fisioterapeuta, em pesquisas científicas. E agora eu trago sobre algumas investigações que têm sido realizadas, como, por exemplo, o efeito da atividade física, do exercício físico nos pacientes oncológicos. Alguns estudos, já lá de 2005, mostravam uma possível alteração na resposta imune entre os pacientes que realizavam treinamento físico durante o tratamento oncológico. No entanto, é importante continuar essa investigação, inclusive associando se há alterações no tecido tumoral relacionadas à capacidade funcional ou posteriores ao exercício físico.
FS: Na rádio, você mencionou também um estudo sobre câncer de colo de útero. Poderia compartilhar mais?
NK: Foi uma pesquisa recente realizada pelo nosso grupo de estudo aqui no HC2 do INCA. Nós observamos se havia associação entre a linhagem de HPV das pacientes com câncer de colo de útero e a sua sobrevida. E aí percebemos que o fator mais importante para a sobrevida foi o cumprimento de todas as etapas do tratamento que era proposto para elas.O tratamento proposto depende de vários fatores, como estadiamento da doença no momento do diagnóstico e se aparecem ou não efeitos colaterais, por vezes é preciso interromper o tratamento.
Estadiar um caso de câncer significa avaliar seu grau de disseminação. Quando falamos em estadiamento, nos referimos à classificação da extensão da doença no corpo. No caso do câncer, isso envolve a identificação do tamanho do tumor, se ele se espalhou para linfonodos (gânglios linfáticos) próximos e se atingiu outros órgãos. Essa informação é essencial para decidir qual será a sequência e combinação de tratamentos indicados — como cirurgia, radioterapia ou quimioterapia. Quanto mais cedo for identificado o estágio da doença, maiores são as chances de um tratamento bem-sucedido e contínuo, sem tantas interrupções. Saiba mais aqui.
NK: A partir desse estudo sobre HPV ficaram algumas dúvidas como, por exemplo, o que faria a interrupção de um tratamento? Será que pacientes que tinham uma capacidade funcional melhor teriam melhor resposta ao tratamento ou conseguiriam completar esse tratamento? Ou mais, será que alterações desse tecido tumoral impactam mais ou menos na capacidade funcional dessas doentes? Então são perguntas que ainda carecem de investigação.

FS: A proposta do Programa de Oncobiologia é justamente integrar diferentes campos do saber. Nesse sentido, como você vê a conexão da fisioterapia com outras áreas da ciência?
NK: As diversas áreas do conhecimento, quando se trata de câncer, quando a gente consegue associar o conhecimento da pesquisa básica com o conhecimento clínico, com dados clínicos, nós conseguimos ter uma riqueza de análise especial. Essa conversa requer uma abertura, um entendimento, um sentar e conversar e conhecer a área de atuação de cada disciplina.
FS: Você falou também sobre o impacto do exercício físico na qualidade de vida dos pacientes. Poderia explicar o conceito de “funcionalidade” no cuidado oncológico?
NK: Funcionalidade é a capacidade de uma pessoa em realizar as coisas do seu dia a dia. Por exemplo, ações simples como tomar banho e até ações mais complexas como ir ao mercado ou ir ao banco sozinho. Para proporcionar essa independência e o maior benefício para o paciente, o fisioterapeuta orienta exercícios físicos.
FS: Pacientes oncológicos muitas vezes estão frágeis. Eles podem mesmo assim praticar exercícios?
NK: Não só pode, como deve. Esses exercícios, é muito importante que eles sejam supervisionados por um profissional capacitado e que entenda e ofereça a esse paciente o máximo de benefício com os exercícios. Mesmo pacientes que estão muito magros ou se cansam muito rápido podem se beneficiar com fisioterapia. Assim, eles podem ficar menos cansados e, quando associado ao acompanhamento com uma nutricionista, a gente consegue até deixá-los mais fortes. A partir dessa melhora, alguns pacientes respondem melhor à cirurgia ou até sentem menos efeitos da quimioterapia. Esses são só alguns exemplos.
FS: Que mensagem você gostaria de deixar para profissionais de saúde e pesquisadores que desejam se aproximar da fisioterapia oncológica?
NK: É importante perceber que o paciente em tratamento por câncer, ele deve fazer as suas atividades rotineiras e também evitar ficar muito tempo sentado ou deitado. Todo movimento é muito benéfico ao paciente. Nada de proibir ou de falar pra algum paciente que ele não deve fazer nada.
Referências:
Campos, M. dos S. B., Feitosa, R. H. F., Mizzaci, C. C., Flach, M. do R. T. von ., Siqueira, B. J. M., & Mastrocola, L. E.. (2022). Os Benefícios dos Exercícios Físicos no Câncer de Mama. Arquivos Brasileiros De Cardiologia, 119(6), 981–990. https://doi.org/10.36660/abc.20220086
Deminice, R. Exercise as part of cancer care: scientific evidence within the brazilian context. Journal of Physical Education, 33, e3301, 2022. https://doi.org/10.4025/JPHYSEDUC.V33I1.3301
Patury, P., Russomano, F. B., Moreira, M. A. M., Kappaun, N. R. C., de Almeida, L. M., Carvalho, R. B. M., & Martins, L. F. L. (2025). Associations between genetic HPV 16 diversity and cervical cancer prognosis. PloS one, 20(6), e0308895. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0308895
Entrevista publicada em 14 de julho de 2025, por Felipe Siston.
Ouça a participação de Nádia Kappaun no episódio do podcast Oncobiologia, disponível na Rádio UFRJ. Link em breve aqui:
Comments