A mortalidade prematura de câncer no Brasil deve cair nos próximos anos, mas está longe de alcançar os objetivos das Nações Unidas. Entre os desafios, indo contra a corrente das tendências de queda, aparece o câncer colorretal.
“Prevê-se que as taxas de mortalidade prematura por câncer colorrectal aumentem nos homens a nível nacional e em todas as regiões, excepto no sudeste (onde se espera que as taxas permaneçam estáveis); entre as mulheres, as taxas crescentes são esperadas apenas nas regiões norte e nordeste. O trecho é de um artigo da epidemiologista Marianna Cancela, pesquisadora do Instituto Nacional de Câncer (Inca), publicado há um ano.
Para atualizar esses dados e aprofundar um pouco mais sobre as estratégias terapêuticas, entrevistamos os integrantes do Grupo de Glicobiologia do Câncer, da UERJ.
Câncer colorretal, o que é e como ele se desenvolve?
Primeiramente, gostaríamos de agradecer o convite e a oportunidade de falarmos mais sobre nosso grupo e, principalmente, sobre o tema de nossas pesquisas, o câncer colorretal. Somos o Grupo de Glicobiologia do Câncer, liderado pelo Prof. Dr. Julio Freitas, e temos três integrantes: Michelle Ferreira, que está desenvolvendo seu projeto de Doutorado; Giovanna Mynssen, que iniciou agora seu Mestrado e Nathália Campos, que iniciou também este ano seu Mestrado.
Agora, vamos à pergunta: são os tumores iniciados no intestino grosso (cólon) e no reto, adotando o termo de câncer colorretal (CCR). Esses tumores são formados por um aglomerado de células que, ao invés de seguir o seu ciclo natural de crescer, multiplicar e morrer de maneira ordenada, seguem crescendo e se multiplicando de forma agressiva e incontrolável por algum tipo de mutação.
Quais são as taxas atuais de incidência e mortalidade do câncer colorretal?
De acordo com dados recentes do Global Cancer Observatory, este tipo de câncer é o terceiro tipo mais incidente no mundo, representando 9.6% dos casos, estando atrás apenas do câncer de pulmão (12.4%) e de mama (11.5%). E, é o segundo que mais gera óbitos (9.3%), sendo o primeiro o câncer de pulmão (18.7%).
Este mesmo cenário é presente no Brasil. Segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), para o próximo triênio (2023-2025) ocorrerão aproximadamente 46 mil novos casos da doença por ano. Em 2023 foram estimados 23.660 novos casos de câncer colorretal em mulheres (9.7% do total de casos de câncer diagnosticados) e 21.970 em homens (9.2%), correspondendo o segundo tipo mais frequente em ambos os sexos.
Qual é o principal desafio da pesquisa na área do câncer colorretal?
A heterogeneidade desse tipo de câncer apresenta diferentes perfis/características. Isso porque existem diversos mecanismos moleculares a partir dos quais os tumores colorretais podem se desenvolver e progredir. Para exemplificar melhor, existe uma classificação molecular de CCR que divide o câncer colorretal em 4 subtipos moleculares, cada um com suas alterações genéticas e epigenéticas. Ainda assim, 13% dos tumores de CCR não puderam ser classificados dentro destes 4 subtipos. Dessa forma, existe uma grande dificuldade em predizer o desfecho clínico e indicar o tratamento adequado para o paciente com CCR.
Quais são as estratégias terapêuticas que impedem a recorrência da doença?
Existem diferentes tipos de tratamento para o CCR, dependendo do estadiamento da doença. No entanto, essas estratégias terapêuticas não garantem o impedimento da recorrência da doença e o desenvolvimento de metástase. O tratamento padrão consiste em cirurgia, radioterapia e quimioterapia neoadjuvante (para diminuir o tumor antes da cirurgia) ou adjuvante (remover células tumorais residuais pós-cirurgia).
Segundo o INCA, o protocolo de acompanhamento do paciente com CCR varia de acordo com o estágio da doença e outras características específicas:
Para o câncer de cólon:
● Estádio I: colonoscopia deve ser repetida em 1 ano e, em seguida, a cada 3 a 5 anos, se não houver presença de pólipos. Se houver, o exame deve ser repetido anualmente;
● Estágios II e III: seguem as mesmas diretrizes do estágio I, com colonoscopia e exame clínico com CEA (Antígeno Carcinoembrionário) a cada 3 meses nos 2 primeiros anos, e depois anualmente. Exames de imagem devem ser realizados a cada 6 meses por 2 anos e, em seguida, anualmente por até 5 anos;
● Instabilidade de microssatélites: exame clínico a cada 3 a 6 meses por 2 anos e a cada 6 a 12 meses até 5 anos;
● Síndrome de Lynch: colonoscopias devem ser feitas anualmente.
Para o câncer de reto:
● Estágio I: exame de toque retal e dosagem do CEA a cada 3 a 4 meses nos 2 primeiros anos e, em seguida, a cada 6 meses. Sigmoidoscopia a cada 6 a 12 meses, e colonoscopia em 1 ano e no 4º ano. Tomografia computadorizada (TC) anualmente;
● Estágios II e III: exame clínico e dosagem do CEA a cada 3 a 4 meses nos 2 primeiros anos e, em seguida, a cada 6 meses. Colonoscopia 1 ano após a ressecção e, se normal, repetida a cada 3 a 5 anos. TC anualmente.
Queríamos também chamar a atenção para o fato de que a maior parte dos casos do CCR ocorre de forma esporádica, ou seja, em pacientes sem histórico familiar ou presença de mutações que os tornam suscetíveis. Sendo assim, é válido aqui destacarmos que o CCR é uma doença multifatorial, assim como diversos outros tipos de câncer, e devemos nos atentar para alguns fatores de riscos, tais como: idade, sedentarismo, etilismo, tabagismo, obesidade, baixo consumo de fibras e dietas ricas em carne vermelha, embutidos e gordura. Além de doenças inflamatórias, como a colite ulcerativa e a doença de Crohn.
Entrevista: Felipe Siston
Edição: Renata Alvim
Entrevistados: Membros do Grupo de Glicobiologia do Câncer da UERJ
Revisão científica: Michelle Ferreira
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A revista Estimativa de Incidência de Câncer no Brasil, 2023-2025 pode ser lida como um todo aqui: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n1.3700
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