Os postos de combustíveis vêm oferecendo uma diversidade cada vez maior de produtos e serviços, com lanchonetes e mini-mercados. Mas o que pode parecer um espaço de conveniência - é também um ambiente de riscos, principalmente aos frentistas e trabalhadores de postos, expostos diariamente ao benzeno - substância química presente na mistura de combustíveis, volátil e que é absorvida pelo corpo humano por meio da respiração e contato com a pele. Substância cancerígena, de acordo com a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), que causa linfomas e leucemias, entre outros tipos de câncer. Pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) estudam o impacto da exposição ao benzeno na saúde dos trabalhadores dos postos de combustíveis, categoria profissional que reúne cerca de meio milhão de pessoas no país, e cuja principal causa de adoecimento são as doenças hematológicas malignas, dentre elas, a leucemia.
As pesquisas acontecem no Laboratório de Marcadores Circulantes, liderado pela Dra. Maria Helena Ornellas e ligado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da UERJ – com trabalho de campo nos postos de combustíveis ao redor da UERJ, onde os pesquisadores já entrevistaram e colheram amostras de sangue de cerca de 300 trabalhadores. Com esse material, a equipe de cientistas realiza duas principais linhas de pesquisa atualmente. Em uma delas, o objetivo é comprovar a hipótese de que a exposição diária e prolongada ao benzeno promove o encurtamento prematuro dos telômeros, uma parte do cromossomo que é considerada um relógio biológico.
"Esse encurtamento dos telômeros é um processo natural, que acontece ao longo da vida, mas pode ser acelerado dependendo das condições ambientais, e está associado ao envelhecimento precoce, e também a várias doenças crônicas - incluindo o câncer", afirma Gilda Alves Brown, pesquisadora do laboratório. Outras pesquisas internacionais analisaram o encurtamento dos telômeros associado a exposição ao benzeno, mas ainda não há consenso sobre o seu efeito. "Os trabalhos internacionais que analisamos tem resultados contraditórios e não são suficientemente esclarecedores sobre esse efeito. Então temos que gerar os nossos dados, aqui, com as nossas condições do Rio de Janeiro", diz Gilda.
A segunda linha de pesquisas busca caracterizar populações de células que estão alteradas no sangue dos frentistas - comparando com um grupo controle, de pessoas que não trabalham nem moram perto de postos de combustíveis. Com base nessa caracterização, o objetivo dos pesquisadores é identificar, de forma precoce, se os trabalhadores estão em um estágio pré-leucêmico. "Assim seria possível afastar os trabalhadores do posto de gasolina, favorecer uma recuperação da medula óssea, e evitar que o estado de saúde desse trabalhador progrida para uma doença hematológica maligna", afirma o médico e pesquisador Fábio Santiago.
Esta segunda linha de pesquisa já mostra alguns resultados surpreendentes, para os pesquisadores: frentistas e trabalhadoras de postos de gasolina aparentemente saudáveis estão com o sistema imune debilitado. "Utilizando a técnica da citometria de fluxo, estamos observando que as populações células NK (natural killers) estão significamente alteradas entre os frentistas, e essas células têm uma função muito importante, de evitar a progressão do câncer", observa Fábio.
Outro dado que surpreendeu os pesquisadores - mas que não é foco da pesquisa - é a alta incidência de aborto entre as mulheres: as trabalhadoras de postos de gasolina apresentaram número de abortos espontâneos quatro vezes maior do que o grupo controle e a média nacional para mulheres saudáveis.
Prevenção e equipamentos de segurança
Além das pesquisas em laboratório, os integrantes do grupo de pesquisas também realizam palestras e orientações aos trabalhadores, em parceria com o Sinpospetro - Sindicato dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, os pesquisadores orientam sobre atitudes de risco, como o uso da flanelinha, que serve para enxugar resíduos do combustível e depois fica no ombro, muito perto do rosto, a aproximação do rosto no momento do abastecimento, ou mesmo chupar gasolina com a mangueira. "Chegamos a observar essas atitudes de risco no nível molecular. Por exemplo, o frentista que adotava determinada atitude de risco, como aproximar muito o rosto ou usar a flanelinha, tinha mais alterações em determinadas populações celulares do que outros frentistas", afirma Fábio.
Para o grupo, também é preciso linhas de investimento específicas para pesquisas científicas sobre a saúde do trabalhador. "O governo deveria investir mais na prevenção, em proteger populações em risco e detectar precocemente o câncer. Assim a gente vai evitar os tratamentos contra o câncer, que são muito caros, e o sofrimento das pessoas. A gente tem que ter uma política pública de prevenção, e essa classe de trabalhadores é muito vulnerável", conclui Gilda.
Por Rosa Maria Mattos, jornalista de Ciência, responsável pelo Núcleo de Divulgação do Programa de Oncobiologia.
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