Diferentes pacientes de câncer de mama, um mesmo tratamento quimioterápico, e diferentes respostas. Por que, em algumas pacientes, as células cancerígenas não morrem em contato com o medicamento - mas são totalmente eliminadas em outras pacientes? A resposta são as diferenças celulares e moleculares de cada pessoa e tipo de doença. Como cada ínfima célula é um oceano de moléculas, pesquisadores e pesquisadoras investigam cada pequena peça deste quebra-cabeça, com o objetivo de compreender melhor a doença, buscar alvos para novos medicamentos ou pistas para que o diagnóstico dos médicos ajude a prescrever terapias apropriadas - poupando pacientes que não se beneficiariam dos tratamentos dos efeitos colaterais da quimioterapia.
É esse o caso de um projeto de pesquisa realizado no Instituto Nacional de Câncer (Inca), coordenada pela cientista Gabriela Nestal de Moraes, integrante do Programa de Oncobiologia. O grupo estuda uma proteína chamada XIAP, que tem um papel decisivo na morte das células, em modelos de câncer de mama. Em células saudáveis, a apoptose - a morte celular programada - é um processo natural e indispensável para o equilíbrio do corpo: de acordo com determinados estímulos fisiológicos, a célula morre, e é substituída por outra célula mais jovem. E a XIAP tem o papel de inibir a morte das células quando é importante que a célula continue vivendo. "Mas no câncer, em geral, essa proteína está super expressa, está presente em níveis muito mais altos do que em uma célula normal. E por conta disso, a morte das células é bloqueada, mesmo em contato com os quimioterápicos, protegendo a célula cancerígena do efeito que nós desejamos", afirma Gabriela Nestal.
A análise da XIAP em amostras coletadas de pacientes com câncer de mama do Inca trouxe uma revelação intrigante. "Achamos um dado muito interessante e surpreendente: algumas pacientes apresentavam a proteína XIAP no núcleo da célula. E não temos informações na literatura sobre o que essa proteína faz no núcleo, teoricamente as funções ligadas a resistência à morte acontecem no citoplasma celular", afirma Gabriela. Um dado decisivo: as pacientes com a proteína XIAP presente no núcleo tiveram o pior quadro e o menor índice de sobrevida comparado às pacientes com câncer de mama que não apresentavam a XIAP no núcleo celular.
A partir daí, as pesquisadoras iniciaram uma investigação em células, in vitro, reproduzindo em laboratório a presença da proteína no núcleo das células. E confirmaram o que foi observado no grupo de pacientes analisado: as células com XIAP no núcleo são mais resistentes ao tratamento com quimioterápico, crescem mais e proliferam mais, características compatíveis com a evolução clínica ruim que as pacientes tiveram.
E como que uma proteína conhecida por sua atuação no citoplasma consegue entrar no núcleo da célula - e provocar essa resistência das células cancerígenas? É para responder a esta pergunta que o grupo de pesquisa está trabalhando neste momento. "Se a gente consegue entender o mecanismo de ação da proteína, a gente consegue interferir nesse processo, por exemplo, fazendo com que ela volte para o citoplasma, ou então inibir a expressão da XIAP no núcleo, tentar interferir de alguma forma para que ela não consiga exercer as funções no núcleo", conta Gabriela. A interferência, no caso, seriam possíveis medicamentos desenvolvidos para impedir o mecanismo de ação da proteína.
Além de compreender o mecanismo de ação da XIAP no núcleo da célula - linha que está em curso - outro importante passo para a aplicação do conhecimento da pesquisa é validar os dados encontrados nas pacientes do Inca em uma coorte maior - ou seja, em um grupo maior e mais variado de pacientes com câncer de mama. "Para que a XIAP no núcleo da célula seja considerada um biomarcador, seria necessário investigar em uma coorte muito maior, de pelo menos três mil pacientes, e que incluísse diversos subtipos do câncer de mama", pondera Gabriela Nestal.
Por Rosa Maria Mattos, jornalista de Ciência, responsável pelo Núcleo de Divulgação do Programa de Oncobiologia.
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