top of page

Medicamento antimetastático e reaproveitamento de vieiras

Atualizado: 7 de fev. de 2023

A cena parece de filme: um mergulhador com uma bela concha nas mãos, que traz à tona, abre, e encontra o tesouro buscado, uma pérola preciosa. Mas para cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a relíquia não está dentro, mas na própria concha. É que um projeto de pesquisa trabalha no desenvolvimento de um medicamento antimetastático desenvolvido a partir de uma substância encontrada nas vieiras, um molusco muito apreciado na culinária, e facilmente encontrado na costa brasileira.


O composto antimetastático é análogo a heparina, uma substância unicamente encontrada no intestino de porcos, e utilizada para combater a trombose. Mauro Pavão, coordenador do projeto e pesquisador da UFRJ e apaixonado pelo mar, trabalha há anos estudando substâncias encontradas em animais marinhos - como o pepino-do-mar, ouriço e ascídia - quando percebeu que a estrutura química de muitas dessas substâncias era semelhante à heparina. E o câncer? "Trabalhos feitos por outros pesquisadores mostraram que a heparina inibe várias moléculas de adesão celular que estão envolvidas na progressão do câncer. Mais especificamente: quando a célula tumoral entra na corrente sanguínea, ela é protegida por um cinturão de plaquetas, e a heparina atua justamente removendo essa proteção e fazendo com que as células tumorais sejam atacadas pelas células do sistema imune que circulam no sangue", afirma Mauro Pavão.


Os pesquisadores então fizeram uma série de testes in vitro que confirmaram que as substâncias análogas a heparina, encontradas em moluscos como a vieira, também atuavam destruindo o complexo célula tumoral-plaquetas, mas com um grande e importante diferencial. "Nós observamos que várias dessas substâncias análogas não tinham efeito anticoagulante, não causavam sangramento, que é um dos efeitos colaterais da heparina que limita drasticamente seu uso clínico", diz Mauro. Os testes foram feitos em animais, com câncer de mama, melanoma e cólon, e confirmaram a ação antimetastática da substância nos três modelos de câncer sem o indesejado sangramento.


O grupo de pesquisa coordenado por Mauro é integrante do Programa de Oncobiologia, e o atual projeto é financiado pelo Ministério da Saúde, e também reúne pesquisadores da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que pesquisam e desenvolvem o cultivo da vieira junto a pescadores e produtores da Ilha Grande, na costa verde do estado do RJ. "A vieira é uma potencial fonte de substância para produção desses remédios antimetastáticos porque é cultivável, e a heparina está alocada justamente em um tecido que é descartado pelos produtores. São vários aspectos positivos no ponto de vista ecológico e social", afirma Mauro. O grupo também elaborou uma vídeoanimação, em inglês, para divulgar o projeto, clique aqui para acessar.


Graças ao financiamento destinado ao projeto, os pesquisadores estão montando um laboratório no Hospital Universitário da UFRJ, na Ilha do Fundão, para a produção em larga escala dos compostos, destinados aos testes pré-clínicos, que precisam ser realizados em animais antes de chegar aos testes em seres humanos. Por enquanto, os pesquisadores trabalham com a ideia de produzir um medicamento que possa ser usado na prevenção da metástase do câncer. "Com o uso deste medicamento, se células tumorais caírem na corrente sanguínea, o sistema imune vai estar mais capacitado para remover essas células, por causa da ação intravascular que esse composto tem. Essa seria uma abordagem. Uma outra abordagem seria ministrar o medicamento antes do paciente fazer uma cirurgia de remoção de um tumor primário, já que é comum que células cancerígenas caiam na corrente sanguínea durante esses procedimentos", afirma Mauro.


O novo laboratório está em fase de montagem - e poderá também purificar e estudar outros compostos de origem marinha. Além disso, o projeto inclui investimento a longo prazo na produção em larga escala da substância e prevê a construção de um laboratório de reprodução das vieiras, em Ilha Grande, e a ampliação da fazenda marinha onde os moluscos são cultivados - etapas estas que ainda aguardam os recursos previstos do Ministério da Saúde.




Por Rosa Maria Mattos, jornalista de Ciência, responsável pelo Núcleo de Divulgação do Programa de Oncobiologia.

Comments


bottom of page