Um estudo feito a partir de quase mil registros médicos de mulheres tratadas na rede pública do Rio de Janeiro reforça a possibilidade de desigualdades raciais e genéticas, possibilitando tumores mamários com maior agressividade na população negra e de ancestralidade africana. Conheça a pesquisa apoiada pelo Programa de Oncobiologia e participe do chamado global deste domingo (4/2), dia internacional de combate ao câncer.
A campanha global de 2024 para o combate ao câncer, que acontece todo dia 4 de fevereiro - agora, no próximo domingo - faz uma nova chamada para a população conversar com os seus governantes, dando o recado # Por Cuidados Mais Justos (#closethecaregap, na versão original).
O investimento na ciência é uma das várias ações recomendadas, considerando inclusive melhores bases de registros da incidência do câncer. E com uma especificidade: o destaque à população afetada.
”Temos sempre que estudar nossa população”
As aspas são da pesquisadora Sheila Coelho, numa conversa conosco do Programa de Oncobiologia sobre a atual campanha de combate ao câncer. Com o apoio da Fundação do Câncer, o Programa investe em pesquisas como a dela. Sheila lidera no Instituto Nacional de Câncer, INCA, uma investigação que busca contribuir para o combate de desigualdades raciais, sociais e, ao que tudo indica, genéticas.
O grupo de pesquisa ficou diante de aproximadamente mil prontuários, os registros dos cuidados médicos prestados a pacientes tratadas no INCA, no Rio de Janeiro. Após analisarem os dados, perceberam números expressivos de desigualdades. Achados que fortalecem o que se observa em outros países, ou seja: mulheres negras podem ser mais agressivamente afetadas pelo câncer de mama e precisam de uma atenção específica.
“Quando olhamos para o subtipo chamado triplo-negativo [o mais agressivo da doença], vimos que 63% das mulheres com esse subtipo são pardas ou pretas e 37% são brancas”.
Desde 2012 se observa um aumento lento e constante na incidência de câncer da mama em mulheres negras, enquanto há uma estabilidade nas taxas em mulheres brancas. Na opinião dela, foi daí que surgiu o interesse internacional para desenvolver um cuidado mais justo com essas pacientes.
“Mulheres negras são diagnosticadas em estágios mais avançados”
A falta de informação sobre a prevenção do câncer de mama e a importância da detecção precoce contribuem para diagnósticos em fase avançada. A pobreza e a injustiça social agravam essa situação.
“As mulheres negras de baixa renda nem sempre conseguem tirar uma folga do trabalho para cuidados preventivos devido aos seus recursos financeiros muito limitados e outras prioridades de sobrevivência concorrentes”Porém, ainda não é possível descartar outra hipótese agravante. A de que os diagnósticos em estágios avançados possam ser consequência da própria agressividade da doença, que evolui mais rapidamente. “Ainda não conhecemos os dados do Brasil a fundo, mas se for semelhante ao que é observado nos EUA, ou seja, mulheres negras têm câncer de mama em idade mais jovem (abaixo de 45 anos). No Brasil, o rastreamento é recomendado a partir dos 50 anos de acordo com as políticas atuais do Sistema Único de Saúde, podendo iniciar em uma idade menor a depender do histórico familiar do paciente.
O desafio da ancestralidade e os próximos passos da pesquisa
No horizonte, a pesquisa tem dois desafios:
Expandir a análise para outras regiões do Brasil, não apenas no Inca.
E mergulhar nas análises de ancestralidade genética.
Sheila explica: “A cor de pele da nossa população não determina a ancestralidade. Nós podemos ter pessoas de pele branca com uma alta contribuição de ancestralidade africana, por exemplo, e pessoas negras também com alta contribuição de ancestralidade europeia.“
Mas independentemente da ancestralidade, na opinião da pesquisadora, fatores de risco associados ao desenvolvimento desses tumores são principalmente ambientais. Por exemplo: as “condições sociais estressantes são muito mais frequentes em populações negras“.
Chamado para a ação
Nós do Programa de Oncobiologia, na conversa com Sheila, sugerimos algumas ações para você não ficar de fora da campanha global deste domingo. Puxe uma conversa para além da sua bolha mais próxima. E considere escrever para os seus representantes políticos. Aqui vão algumas sugestões de assunto:
O câncer de mama é o tipo mais frequente de câncer em mulheres no Brasil e no mundo. Mas sabia que não é uma doença de "gente velha" e que não escolhe raça e nem cor? Por isso, todas as mulheres devem fazer o autoexame nas mamas desde sempre.
E algumas das causas, não só para o câncer de mama, são o consumo de alimentos industrializados e abandonar a meta diária de exercício físico!
Por fim, converse sobre onde estão as mulheres da sua cidade que não têm acesso a alimentos nutritivos ou a um meio ambiente saudável e estimulante.
O que podemos fazer por um cuidado mais justo?
Felipe Siston (entrevista e edição final)
Matheus Magalhães (revisão para popularização)
Sheila Coelho e Bruna dos Santos Mendonça (revisão científica)
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